O voto eletrónico e a memória selectiva
Escrevi uma thread no twitter porque é lá que está o Grupo Parlamentar do Partido Socialista... mas aparentemente a menção não os taggou (quem sabe porquê, hoje e dia o twitter tem tantas falhas que não sei que isto é bug ou feature)... De qualquer forma, se não é para encetar diálogo com eles, vale mais deixar o registo aqui.
Hoje deparei-me com uma notícia que referia que o Grupo Parlamentar do PS apresentou um projecto de resolução a recomendar ao Governo a adoptar o voto eletrónico. Não é de espantar, a promessa estava feita no Programa de Governo, mas o que ainda me consegue espantar é... a deliberada - tem de ser propositada! - memória selectiva que o PS, Governo ou Grupo Parlamentar, pratica sem cerimónia, assumindo que os Portugueses tenham memória muito curta (os jornalistas, pelo menos, aparentam tê-la).
Refiro-me ao facto de todo o preâmbulo e justificação para esta adoção proposta se baseie, fundamentalmente, num pressuposto, numa etapa que "demonstra" que este é o certeiro próximo passo... a experiência de Évora. De acordo com este projecto, Évora foi uma "experiência bem sucedida", e isso faz com que tudo o resto faça sentido - o voto eletrónico servirá para "tornar o processo de votação mais simples e cada vez mais fiável".
O problema deste conto de fadas não é que ele é sujeito à opinião, não é que há quem ache que sim e há quem ache que não. Não é sequer que o voto eletrónico não é compatível com o nosso sistema eleitoral. O problema é que a experiência de Évora foi um desastre.
Não precisam de se fiar em mim, foi a CNPD que o disse. "Protecção de Dados arrasa voto eletrónico", foi o título no Público, enquanto a TSF dizia que "Até o secretismo ficou em causa. Parecer arrasa experiência de voto eletrónico promovida pelo Governo". O problema não foi um, nem foi um molho de coisas pouco graves. Não. Houve falta de anonimato no voto. Máquinas com selos rasgados. Depois do voto houve acesso aos dados. Num inúmero conjunto de problemas, a Comissão Nacional de Protecção de Dados enlencou várias falhas que classificou de inadmissíveis. Não foram só coisas que podiam ser usadas para motivos nefastos, foram também coisas que aconteceram - discrepâncias no número de votos contabilizados em três mesas de voto distintas, por exemplo. Enfim, é um relatório de 31 páginas que descrevem um sistema que nunca, de forma alguma, sob seja que prisma for, se pode considerar "bem sucedido".
Perante as evidências que vão contra aquilo que o PS gostaria que tivessem sido os resultados, que faz o PS? Ignora o relatório da CNPD, inventa toda uma nova realidade, finje que as coisas são diferentes que são, e continuam a puxar a sua agenda. Os factos alternativos chegaram a Portugal, e, espantosamente, o partido que está por detrás disso é o Partido Socialista.
Os Portugueses merecem melhor.
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